sábado, 11 de outubro de 2008

Carta à Menina de Talcos


Querida menina de talcos,



É belo, brilhante e assustador permanecer neste espaço de onde você percebe tudo ao redor e sabe manifestar cada coisa com tamanha grandeza, clareza e sutileza sem sequer me incomodar com uma respiração debaixo dos pulmões. Estar perto de ti também é o espaço onde muitas vezes não me encontro, ou pelo menos não me permito encontrar materialmente, pois nada de mim quer permanecer enquanto dor quando falo qualquer coisa de mim para ti.

Às vezes fujo, outras vezes me furto de torná-las mais minhas do que o além solitário quarto das angústias. Enquanto pede para falar de mim, você me toma desajeitado nos braços sem jamais me envolver completamente, diz-me:

- Anda, anda por ti próprio. - e ainda pouco consigo além do som ululante de um lamento.

Eu sou aquele menino da foto, elegantemente colorido com uma das mãos na cintura e orgulhoso porque já me mantenho em pé, mas não sei andar sem o auxílio das bolas que devem possuir o volume do meu corpo. Uso botas marrons que de tão estranhas, me vejo de short vermelho. Quando me olho toda vez, quando retenho o olhar sobre mim, estou completamente só: eu e esta bola parte-transparente, parte colorida preenchida de angústias.

Eu sou meio-transparente, esta bola é meio-transparente. A questão tem sido que, na maior parte das vezes quem chega próximo tem tanto medo, ou mais, quanto sinto ao olhar para dentro de mim. É por este vazio assim criado, ou deixado pela obra de um criador, que enxergo a minha grandeza: - Está adiante!, grito sem mesmo produzir som.

Contigo é diferente. Sinto que sou e posso ser tão transparentemente que você me teria desnudado toda vez que assim quisesse, me vestiria de mulher e eu me sentiria ridículo. Teria me levado numa barca para distante de mim, e lá teria me deixado. Mas não, tú podes e nunca faz. É nisto que está tua Glória perante a mim.

Leva suavemente a minha mão para dentro ou para fora das minhas angústias sem que eu ou esta parte de mim pudesse levantar suspeitas do que estaria por vir ou objetar. Desfere uma palavra ou outra sileciosamente que vai se chocar lá dentro, eu a enxergo se movendo no vazio preenchido do ar... e ela se choca.

As mesmas palavras estavam sempre ali, como voltam a estar quando tú as movimenta desferindo golpes contra o vento utilizando a tua língua. - És tú quem sempre esteve dentro de mim, sou eu quem estive acolá.


Carta à Glória.

Santo Estevão, BA, 12 de Agosto de 2008.