sábado, 24 de maio de 2008

Dos verdes campos pouco entendo, mas eles entendem a mim.


A felicidade é meu reino porque lá eu habito. Não dou por certo que ela é minha, mas trago dela o verde olhar das paragens e o jeito desengonçado como quem é como as meninas que carregam os baldes pelo abraço gigantesco dos vastos campos.

É uma terra gentil, sem modéstia. Tem o ar fresco e puro no descanso confortável das oliveiras abraçando todo aquele que chega. À tardinha, durmo bem no sombreado vespertino das olivas enquanto meu cão atento vigia. Acordo chegado o terceiro latido companheiro e sigo para o mercado em missão de trabalhar.

Conheço quase todo o homem que por lá habita ou constrói. Há os ricos que freqüentam estas terras por temporada, os que se enclausuram nas próprias fortalezas e também há os gentios, feito eu. Nós que cultivamos a terra desde os primeiros olhares da matina dormimos à noite sobre o chão de terra batido e folhagens da mesma forma selvagem como os animais dormem.

Sei da obra grandiosa dos castelos, embora nunca tenha vivido num deles. Minha alma é pequena-verde como os intermináveis campos e eu sou simples. Sei das torres em colunas tão difíceis de alcançar e as temo porque prefiro estar do lado de cá, na companhia dos ladrões, do que negociar preços com os padrecos.

Não sou como os dois: não busco invadir o portão da frente, não quero alcançar o que há para além do fosso. Estamos bem, eu e o homem que se julga rico: ele mora lá com sua gente loiras e eu vivo cá no campo que cultivo. Por vezes, ele desce à minha terra e traz consigo os filhos, chama isso de "pedagogia". Eu, que não entendo palavras difíceis, ceivo o grão que ele me quer comprar.

Durmo cedo para cedo acordar e ao amanhecer abro a minha uma só janela e uma só porta firmemente, deixo o calor Sol entrar. Qualquer dia desses o sábio de jóias voltará para falar de viagens à terras distantes e gente inigualável. Eu e o meu cão ouviremos atentamente assustados sem jamais pensarmos em partir, porque nós pertencemos a esta terra sem ela jamais nos pertençer.

Carta escrita à Juliana Diógenes
em 23 de Maio de 2008.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

A minha tua carta


A pulseira que me deste guardo-a no pulso de superações. Não para te transformar naquilo que se faz com ídolos e totens, mas para olhá-la fixamente e saber que os problemas já ultrapassei. É honesto ser sensível, sentir-se vencido e ultrapassar, desonesto é fingir que não é consigo.

Tiro-a muitas vezes como sinto que não necessito da tua presença, e isto é tranqüilo. Ando pela casa todas vezes só e acompanhado pelos meus milhares de outros eus. Um gole d´água feito o encontro e o afeto do beio, "podemos estar juntos e sós à distância".

Abro a porta e desço o rio mesmo conhecendo o urbilhão que me aguarda, eu estou tranqüilo, por que não haveria de estar? A vida é encontro e fico triste em pensar que para a maioria das pessoas se encontrar não significa ser transparente.

Quando ando na rua sou um homem comum, sem nenhum floreio. Olho-me nos espelhos com um sorriso safado que chega até a altura das calças e digo-me: que bonito! Cumprimento os meus pares e, sempre que posso, aquele nosso amigo que me ama tanto, e eu a ele!
A pulseira que me deste está comigo e ela é meu talismã de felicidade e jovialidade. Aperto-a e movo-a no pulso como a paixão que sinto de esfregar meu pé em tuas coxas. Oh minha pequena de talcos! dentro de mim tu e tua pulseira sempre se acomodam bem.

Carta à "Glorinha", em 10 de maio de 2008.
(Entregue em 21 de maio de 2008).

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Carta a uma jovem aguerrida


Sede corajosa, avança sobre o teu próprio caminho, teria um beijo haver com o deslize, mas um estado tão duradouro quanto o "ficar" terá alguma razão com um "acidente"? Decerto que não, quem "fica" justifica-se com espantos, mas não haverá qualquer coisa anterior, como o preparo ou a percepção de que o ato está próximo?

Há bem mais vontade em nossos corpos do que supõe o nosso bom-mocismo, porque aquele é anterior a permanência deste. Ainda que seja a consciência quem define o certo e errado, não contrariamente ao interdito se encontra o corpo. Aprisionado em si o que ele fará? Muito. O que fará você para silenciá-lo? Dará uma matriz social para que ele se comporte? Duvido que ele se silencie. Dela somente pode se alimentar para saciar o desejo para, após, ser emudecido pela culpa.

Libera tuas sensações, desenha com as pontas dos dedos os pensamentos. Tenha certeza de que eles já se encontram demasiados fartos de tanta pureza. Só mesmo quem deseja abrigar-se, ou usar-te, poderá fugir para este teu encanto. Quão triste! a paragem quando não é encruzilhada de caminhos é sombria, pessimista e cristã.

Libera-te da tua cruz, do teu lar, das tuas certezas mais pequenas. Toma meu conselho e estas palavras como bagagem: segue adiante! Já perdeste muito no repouso de teu vale escuro. E olha que não houve neste templo, sequer ladrões! Sequer ladrões! Gastaste teu ouro com a tua segurança e o que ela te trouxe? Vazio. Indeterminação.

Determina-te, sede corajosa como era há pouco! Joga-te no abismo sem receio! Onde estará o teu aventureiro, colocaste um espião contra ele? Quem é que te controla: tua consciência ou tu mesma? O mundo regido por fantasmas é ainda mais triste do que aquele onde quem reina é o sofrimento. Avante, sede tu mesma a aventura!


Carta escrita à Juliana Diógenes
em 21 de Maio de 2008.